đ TrĂȘs Mundos, Uma LĂngua
A lĂngua portuguesa, espalhada por vĂĄrios continentes, mantĂ©m uma unidade essencial, mas manifesta-se com particularidades notĂĄveis em cada paĂs lusĂłfono. Quando olhamos para Brasil, Portugal e Angola, encontramos uma trĂade linguĂstica que partilha a mesma origem, mas que se expressa com cores e contornos diferentes.
A ortografia, enquanto representação escrita da lĂngua, Ă© o espelho dessas diferenças. Nesta aula, vamos explorar as principais distinçÔes ortogrĂĄficas entre estas trĂȘs realidades, com enfoque especial na situação angolana, que ocupa um lugar Ășnico â entre a tradição europeia e os desafios africanos.
đïž 1. A InfluĂȘncia HistĂłrica na Ortografia
- Portugal manteve ao longo dos séculos uma ortografia mais conservadora e baseada em etimologia.
- Brasil iniciou, desde o século XIX, uma simplificação ortogråfica, culminando numa forma mais fonética e adaptada à fala popular.
- Angola, herdeira do modelo portuguĂȘs, conserva grande parte da norma europeia, mas insere-se num contexto africano com mĂșltiplas lĂnguas nacionais, o que influencia o uso e a percepção do portuguĂȘs escrito.
đ 2. Diferenças OrtogrĂĄficas Mais Relevantes
Categoria |
Portugal / Angola (Tradicional) |
Brasil |
Exemplo |
Uso do c e p em consoantes mudas |
Manutenção (antes do Acordo) |
SupressĂŁo |
acção / açaÌo |
Verbos com -ar e -ear |
grafias europeias |
simplificadas |
contactar / contatar |
Acentos diferenciais |
MantĂȘm-se |
Eliminados |
pĂŽde / pode, vĂŽo / voo |
HĂfen |
Uso conforme regras tradicionais |
Novas regras adoptadas |
auto-escola / autoescola |
Trema (š) |
Existia, mas em desuso |
Eliminado oficialmente |
linguiça / lingĂŒiça (antes) |
Novas letras (K, W, Y) |
Uso residual |
Uso reconhecido oficialmente |
Kwanza, whisky, layout |
Palavras com dupla grafia |
Aceitação restrita |
Adaptação flexĂvel |
óptimo/ótimo, reacção/reação |
âčïž Nota: Angola ainda nĂŁo oficializou o Acordo OrtogrĂĄfico de 1990, mantendo muitas das grafias portuguesas, embora o uso no dia-a-dia, principalmente em contextos digitais, tenda a absorver a influĂȘncia brasileira.
đ 3. Angola: Entre o Modelo Europeu e a Adaptação Africana
Embora Angola mantenha a ortografia tradicional europeia, a realidade linguĂstica do paĂs impĂ”e adaptaçÔes naturais e funcionais:
- Muitos falantes aprendem portuguĂȘs como segunda lĂngua, apĂłs as lĂnguas nacionais.
- Existe um uso oral intensivo do portuguĂȘs, nem sempre acompanhado por uma forte base escrita.
- O contacto com meios digitais, redes sociais e manuais escolares importados influencia a incorporação informal da nova ortografia.
đ Exemplo angolano: A palavra âKwanzaâ, corrente na toponĂmia e na economia nacional, sempre foi escrita com âKâ mesmo antes da entrada oficial do Acordo, por ser considerada uma forma lexicalizada e culturalmente aceite.
đ 4. GrĂĄfico: FrequĂȘncia de uso da ortografia unificada nas publicaçÔes oficiais (estimativa 2024)
âđŸ 5. ConsideraçÔes PedagĂłgicas e Culturais
- Nas escolas angolanas, coexistem manuais com grafias antigas e novos materiais oriundos do Brasil e Portugal.
- Professores e revisores enfrentam desafios na padronização ortogråfica.
- Editoras nacionais frequentemente optam por manter a ortografia tradicional, por razÔes económicas e culturais.
Estas diferenças exigem polĂticas linguĂsticas claras e estratĂ©gias pedagĂłgicas que respeitem a realidade nacional, sem isolar Angola do espaço lusĂłfono.
â ConclusĂŁo
A ortografia não é apenas um sistema de regras: é também uma forma de afirmar identidade e pertencimento. Angola encontra-se num ponto de reflexão, onde pode contribuir para um modelo ortogråfico que respeite a diversidade, mas que promova a inteligibilidade entre os povos lusófonos.
A coexistĂȘncia das normas do Brasil, Portugal e Angola nĂŁo deve ser vista como um obstĂĄculo, mas como uma riqueza linguĂstica e cultural, desde que seja compreendida e valorizada por professores, editores e falantes.